Seis pedaços
- Caroline Gomes
- 19 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
eu sou o excesso de mim mesma
minha própria correnteza
no meio de tanta certeza o que me falta é clareza
me navego sem rumo e sem remo
me tomo e me atento
para não deixar a água parar
porque eu nasci para transbordar
Pedaço 1 - Dezembro de 2001
Quando eu era pequena, só desenhava com lápis grafite.. Vez ou outra usava a cor vermelha mas de modo geral, aquela caixa de lápis de cor me incomodava.. Para que tanta cor?
Para que tanto brilho?
em 2001 a vida mudou
a morte chegou
meu pai levou
e a caixa de lápis de cor for aberta
daí em diante tudo mudou
cresci crescida
cheia de feridas coloridas
uma infância descabida nomeio de mim
o único papel claro era o que eu usada para desenhar
de resto, tudo veio a se misturar
entre copos de cerveja, whishy, campanhe, vodka ou vinho
tudo se quebrou
e quase mãe ela virou
crescida menina de 11, 12 anos de idade
Pedaço 2: algum dos meus diários
Consegui deixar quase tudo numa caixa só..
e foi difícil
Convites, pingentes, cartas, objetos…
[usar no caderno]
termina com a minha data de nascimento e a frase…
Pedaço 3 - família é muito importante para mim …
“Fecha as perna, menina.” Senta direito! Carol, pq vc raspou o cabelo? Vou te comprar uma peruca.
Pedaço 4 - A mãe
ninguém entende nada
finge harmonia para não estragar a família
mas o que ninguém vê é que já estragou e no tempo ficou
era uma vez uma família tradicional brasileira
era tão perfeita que quebrou
tamanha perfeição incomodou
e viúva ela ficou
junto da viúvez veio a solidão
não bastante o luto, veio a exclusão
amigas ela não tinha não
porque ameaça virou então
onde já se viu não ter dono
a dona dos filhos e do mundo todo
era viúva da sociedade e não sabia
o gosto tóxico daquilo que bebia
bebeu tanto que se afogou
entre copos de whisky e cerveja ela mergulhou
numa piscina de caipirinha ela tentou
tirar a sua vida mas se salvou
o peso da viúva sobre os filhos
o peso dos filhos de mentir na escola
o peso da família que não se viu
e o alcoolismo consumiu
“é melhor não falar sobre isso né?”
ela é fruto da sociedade
ela é cheia de verdade
ela é um poço de vaidade
daqueles que não entendem nada
além da família perfeita
Pedaço 5 - A cuidadora
A vó sofre
por ver o mundo passar
e ninguém levar ela para dançar
eu sofro vendo sua falta de dança
ou de ver tanta esperança
quais escolhas fizemos?
quando deixamos de dançar?
será que precisa sempre ser assim?
do começo ao quase fim… ela cuida de mim
e de todo mundo
quem vai cuidar dela?
ou melhor, quando irão deixar ela se cuidar?
às vezes parece que falta pouco para o mundo acabar
e a terceira guerra começar
mas mesmo assim, continuamos a cuidar
na esperança de não pecar
fazer o certo
e rezar
santos, santas, são longuinho me ajuda a achar minha fé que eu dou três pulinhos
Pedaço 6 - o mar dentro de mim
afundou
dentro de tudo que contaram para ela
a menina segurou respirou fundo e seguiu
mesmo sem se entender, ela sempre tenta resolver
o que ela resolve ninguém sabe
o que sabemos é que tudo era e um dia mudou
num passado nem tão distante ficou
ela queria contar para o mundo tudo o que sentia
mas seguia e sorria
como se nada acontecia
tentava ser sincera mas se mentia
num universo inventado ela não cabia
até que um dia a última máscara caiu
e o novo mundo se abriu
como doía
o clarão que se erguia
e no meio de tanta poeira e poesia
a menina descobriu que a dor que sentia
era do Sol se que abria
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